No âmbito da política criminal, para melhor defender e proteger os bens jurídicos no ordenamento jurídico angolano, o Legislador Constituinte, nos termos da Lei n.º 38/20 de 11 de Novembro, aprovou o Novo Código Penal Angolano, em substituição do Código Penal Português de 1886, aprovado na época da expansão, isto é, colonização de África, cujo teor era mais policial com incidência a punibilidade que à prevenção especial positiva.
Da análise a volta do assunto, cabe-nos abordar três aspectos importantes:
- ESTRUTURA DO CÓDIGO;
- MUDANÇAS IMPORTANTES
- CONCLUSÃO
Quanto à estrutura referida no ponto 1, o Novo Código Penal Angolano (adiante NCPA) contém 473 artigos e menos extensivo que o Antigo que continha 486ºs artigos, sendo mais policial que judicial. O actual é um dos mais modernos em termos de ciência do direito e política criminal, evolução, defesa, garantias e promoção dos bens jurídicos, pois, traduz a vida e cultura do povo angolano, sem descurar o carácter universal do mesmo Código.
No âmbito do Direito Comparado, podemos encontrar algumas semelhanças com o Código Penal Português, (artigo 1º, de ambos os Códigos), mas com uma diferença significativa no que toca a proibição da analogia e da interpretação extensiva das normas incriminadoras (artigo 1º, nº3, NCPA); tal roupagem é justificável pelo facto de partilhar a doutrina e jurisprudência (Professores e autores portugueses) na sua dogmática penal, por razões históricas, educativas, culturais e linguísticas.
O Novo Código Penal Angolano (NCPA) está estruturado por duas partes:
- Preâmbulo – que apresenta as razões políticas, sociais, constitucionais e legais que motivaram o legislador Constituinte a aprovar o monumental diploma;
- Livro I – Parte geral – onde o legislador apresenta um conjunto de princípios, pressupostos, formas especiais do facto, causas de ilicitude, penas principais e de substituição, penas acessórias, penas às pessoas colectivas, medidas de segurança, extinção da responsabilidade criminal, prescrição das penas e medidas de seguranças e outros elementos importantes em matéria criminal.
- Livro II – Parte Especial – visa a prevenção dos crimes e comina as respectivas penas. Está composta por 9 títulos – dos crimes contra as pessoas, passando pelos crimes contra a família e crimes contra os direitos patrimoniais até aos crimes contra o consumidor e o mercado.
2. MUDANÇAS IMPORTANTES.
O Novo Código Penal Angolano traz muitas mudanças significativas na matéria ligada a duração de penas: de 3 meses a 25 anos – para crimes normais; havendo concurso de crimes e reincidência, a pena tem o limite máximo de 35 anos (artigo 44º NCPA). Outro aspecto importante a mencionar no NCPA é a questão da responsabilidade penal das pessoas colectivas, (artigo 9º), assunto inexistente no antigo Código Penal.
O Código Oitocentista, era taxativo no sentido da exclusão da responsabilidade das pessoas colectivas. O artigo 26º daquele Código determinava que só podiam ser sujeitos activos da infracção criminal e por sua vez imputáveis, sendo os que podiam ser responsabilizados criminalmente, os individuos que tinham a necessária inteligência e liberdade.
À semelhança doutras latitudes geográficas, in casu, Portugal[i], o NCPA defende a punibilidade das pessoas colectivas, por ser uma necessidade social. Na visão destes ilustres Professores, o direito deve facilitar a constituição de pessoas colectivas, mas deve também evitar que estas pratiquem crimes, sendo que melhor caminho para alcançar esse objectivo, o de aplicar penas às empresas. Na sua dogmática, a responsabilidade penal das pessoas colectivas é igualmente imposta pelo princípio da justiça [ii].
No capítulo das novidades, podemos também louvar o legislador por ter tipificado os crimes informáticos e cibernéticos (441º e ss), cometidos com recurso às novas tecnologias. O legislador tipificou tais comportamentos por ser uma necessidade imperativa, real, hodierna e prática adaptável à Aldeia Global, guiada pela vida Digital. Do comércio à vida privada, bem como do imobiliário ao mercado alimentício, tudo passa e está na Net. Foi uma visão estratégica e de segurança nacional prevenir e prever comportamentos que lese a vida do povo no Universo Digital.
A falsificação de cartões de crédito (artigo 261º), oscrimes contra a família, bens jurídicos familiares (artigos 238º a 249º), os crimes sexuais (previstos nos artigos 182.º a 184.º, 186.º a 188.º e 191.º a 194.º),os cometidos através da imprensa e contra a liberdade de imprensa (artigos 224º e ss), crimes contra o aborto (154º e ss), bem como outros crimes tipificados no Código com relevância para a vida social e política, figuram como grandes novidades no NCPA.
Uma nota positiva e interessantíssima é a matéria de garantia e tutela dos bens jurídicos, à luz do artigo 29º da Constituição da República de Angola. O NCPA está alinhado com os princípios e valores universalmente aceites. O preâmbulo do NCPA é interessante quando diz: adequar o Código Penal aos princípios e valores fundamentais em que assenta a República de Angola, consagrados na Constituição, aos progressos da ciência do direito penal e às fundamentais linhas orientadoras da política criminal moderna;
Trata-se de um Código com sangue, suor e identidade do povo angolano. Como bem o diz, o Jurista e Deputado José Semedo,[iii] «não existem leis acabadas por razões de mutações e transformações da vida».
Apesar da inovação e modernidade apresentadas no NCPA, reflectidas com base nos melhores modelos do Direito penal e de política criminal das ditas civilazações modernas, existem lacunas próprias e típicas da falibilidade humana que podem limitar a mens legislatoris.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, podemos dizer que NCPA que veio substituir o Código Penal de 1886, traz tipos de crimes, princípios, garantias e tutela da vida, família, bens jurídicos relevantes para o povo. Código pensado do povo para o povo e com o povo, apesar de alguns pontos fracturantes ligados à política sobre a vida (aborto), na altura do debate na especialidade sobre a matéria.
A duração das penas extraordinariamente para o limite máximo de 35 anos, a criminalização das pessoas colectivas, por razões de justiça, os crimes informáticos e cibernéticos resultantes do uso das novas tecnologias, assim como a proibição da analogia e interpretação extensiva das normas incriminadoras, a exclusão da figura do encobridor, da forma frustrada do cometimento e na forma tentada, figuram como sendo inovações no NCPA.
Como já o dissemos, não existem leis perfeitas e este Código não foge à regra. Pelo que, urge a necessidade de investigar e apresentar propostas valiosas que auxiliem o legislador a fazer leis exequíveis e adaptáveis à vida social.
[i] Geramano Marques da Silva, Responsabilidade penal das sociedades e dos seus Administradores e representantes, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 2009, pág.119. António CRESPO SIMÕES DE CARVALHO, a responsabilidade penal das pessoas colectivas, justiça portuguesa, in: Revista de Direito, ano 4º, nº43(Julho de 1937) até ao ano 7º, nº74 (Fevereiro de 1940).
[ii] Naldemar LOURENÇO, in Revista JURIS, vol I, penal e processo penal, 2016, pág.95.
[iii] José Semedo, Relator-coordenador da Lei que Aprova o Código Penal Angolano, integrante da Comissão dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos (1ª CTE), em entrevista exclusiva ao Gabinete de Comunicação e Imagem da Assembleia Nacional.